Meditando sobre essa pergunta eu fui ao I Ching no dia 30/03/2020 às 00:30, considerando o desenvolvimento da pandemia de coronavírus no mundo todo e em especial no Brasil, considerando também as iniciativas adotadas por diversos países para o enfrentamento da crise e em específico as adotadas pelo presidente e pelos diversos governadores e, em especial, considerando as diversas situações e humores em que se encontram as pessoas: trabalhando, em situação de rua, presas no exterior, em suas casas, ansiosas, preocupadas, com medo, etc.
O que o momento nos pede?
A leitura diz (hexagrama 52 – Kên – A Montanha) que o momento é de Quietude, silenciamento e pensamento fixo e firme no presente, o exato instante. Fala sobre imobilidade reflexiva a fim de perceber o momento certo de avançar. O cerne dessa orientação está enraizado na atitude de desapego, ter um olhar “distanciado”, para além da condição humana e suas aflições. Não significa “não ligar” para aquilo que nos toca e faz sofrer, e sim observar como quem está fora da situação, analisando friamente. O hexagrama que é formado pelos trigramas interiores é o 40 – Liberação, indicando que o aquietamento nos leva a compreender integralmente a situação que nos toca de imediato e assim ter clareza de sua solução.
Essa atitude soa muito em par com a recomendação de quarentena e dá dicas de como se portar nesse momento. Penso que o hexagrama é bem específico sobre manter um estado de saúde mental equilibrado (no texto até tem menção ao yoga!) e que a ação nesse sentido exige esse estado de naturalidade e entrega.
Como devemos agir?
A mutação desse hexagrama acontece na linha 3 e ela sugere que esse estado meditativo de quietude não deve ser forçado, precisa ser uma tranquilidade genuína que venha de dentro pra fora e, forçar-se a um estado de aquietamento (tipo fingir que tá tudo bem!!) pode ser prejudicial. Em um outro contexto li que meditação é como um aquário com uma lâmpada dentro e suas águas agitadas. Enquanto a água está agitada só percebemos flashes de luz mas com o tempo a água vai parando e a lâmpada vai ficando mais discernível, até termos clareza de sua forma. Não dá pra fazer parar a água com as mãos, é o tempo e o ciclo natural que leva a água a parar. É disso que essa mutação fala, aquietar e esperar a calma se manifestar. (Em momento algum é dito que isso é um exercício fácil!!!!)
O que devemos esperar?
Dessa mutação chegamos a condição do contexto que enfrentaremos (hexagrama 23 – Po – Desintegração) que fala sobre o avanço dos inferiores: “O inferior, o obscuro, não luta de maneira direta contra o que é superior e forte, mas vai solapando lentamente em sua ação dissimulada.” Apesar de soar como infortúnio é um tipo de situação inevitável e que está em ordem com os movimentos da natureza e seus ciclos. De acordo com o seu julgamento, “não é favorável ir a parte alguma”, podemos interpretar isso literalmente (#FicaEmCasa) ou de forma subjetiva em nossa ansiedade de querer convencer do contrário as pessoas já convencidas de que nossa situação atual não é um problema de verdade.
A frase que consta na imagem desse hexagrama me chamou bastante a atenção: “Assim, os superiores só podem garantir suas posições mediante dádivas aos inferiores.”; essa frase fala sobre agir em consonância com estes ciclos, aceitar que certas condições são inevitáveis e transitórias e que fluir com ela mantém as coisas em equilíbrio.
Muito se tem falado sobre um “novo mundo” pós coronavírus, sobre o choque do que temos como comum em nossas vidas, as reais condições de sustentabilidade do capitalismo e o papel do Estado em nossas vidas e sobre como nos relacionamos enquanto sociedade. Mas para esse novo mundo se estabelecer, quem está apegado às formas anteriores de existência vai resistir e talvez se revoltar, seriam esses os inferiores indicados pelo hexagrama. A interpretação de Wilhelm a esse hexagrama fala sobre uma montanha íngreme e com base estreita, portanto, frágil, e a montanha com base larga e ampla. Com essa imagem podemos fazer referência às curvas de disseminação do vírus
Talvez a consequência de não se aquietar seja essa de as pessoas irem sofrendo com mais força a natureza desse nosso momento através da contaminação, percebendo na carne o resultado de não aceitar o confinamento, deixá-los sair talvez seja a dádiva a que o texto se refere, a montanha íngreme irá ruir.
O hexagrama formado pelos trigramas interiores de Desintegração é o 2 – K’Un – O Receptivo, o seio onde tudo o que é passível de criação é gerado e manifesto. Isso nos diz que, nesse momento de aquietamento onde os inferiores se levantam, se desenha o alvorecer de um novo ciclo em linha com o TAO, no fluxo harmônico da natureza.
Conclusão
O hexagrama 52 fala do fim e início, como aquele breve momento do fim da inspiração e início da expiração. Seguindo na analogia da respiração, a mutação na linha 3 diz para que o ar saia tranquilamente, sem esforço, numa respiração natural e dessa forma, quando o pulmão estiver vazio 23 vem naturalmente reiniciando o ciclo. Se posso dar uma dica nesse momento é essa de se permitir sentar e observar sua respiração natural, sem controlar, deixar sua mente fluir naturalmente até se manifestar a clareza que o momento pede!
Pode parecer difícil, talvez impraticável, mas o i ching não parte da natureza humana para adaptar o TAO, fala de adaptarmos a nossa natureza humana ao TAO, a tal da “senda estreita” que nos leva ao “céu”!
Deixe um comentário